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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

As pálpebras queimantes do último relâmpago


" Não há nada que nos desoriente mais a memória do que
a inadvertência de querer retornar a algum ponto alcançado
no passado. Como o teimoso viajante traído por sua obsessão
de regressar a uma cidade cuja lembrança lhe seduz. Ou
aquele outro que teme reabrir as páginas dos livros lidos de onde
lhe socorrera o acaso a completar os versos de um poema. Jamais
encontraria ali a mesma imagem antes sugerida. A todo instante a
memória nos faz perguntas que sabe não poderemos precisar. As
viagens são todas elas um grande truque do tempo.

Há sempre algo que perdemos e que nos leva a memória, por onde
passamos. Um enigma que pode muito bem mostrar-nos um semblante
dolorido, mas que de alguma maneira aponta em outra direção. Não
importam as perdas que não convertemos em pedras preciosas. Não
adianta buscar a terceira sílaba da noite. Algo nos leva de uma parte
a outra. Há que escutar esses disparos mágicos do abismo.

As viagens não existem para um álbum de retratos. Tampouco os livros
nasceram para a construção de uma biblioteca na sala dos pais. Os amores
compreendem isto ao irem embora, despidos de todo ressentimento, quando
souberam beber as centelhas de cada instante vivido. As viagens nos fazem
ir do desejo ao deserto, e não nos trazem de volta para nenhum dos dois pontos,
de chegada ou partida, que a rigos se confundem."

( FLORIANO MARTINS -- poeta, ensaísta, tradutor e editor )

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