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sábado, 14 de agosto de 2010

As idades de Zenóbia

" Aos dezoito anos, Zenóbia tinha olhos ávidos
e não usava óculos
Os cabelos, de um preto instável, pendiam em
breves ondas sobre os ombros
Seu corpo magro lhe impunha uma fragilidade
que não tinha
Sorria sempre como se escondesse a face sob
as sombras.

Aos trinta e dois anos, Zenóbia tinha ólhos óbvios
e ainda não usava óculos
As maças do rosto, de um rosa rubro, quase que
encobriam o nariz miúdo
Os cabelos, reclusos. Uma linha -- quase-ruga --
trazia à testa um ar de austera brandura
Mas nenhuma dureza no conjunto, nenhum
escuro.

Aos quarenta anos, Zenóbia tinha olhos sóbrios
e passou a usar óculos com aros de tartaruga
Os cabelos, curtos. O risco na testa, agora um
sulco.
Seu vulto era raro. O sorriso esquivo: seu ponto
de fuga
Uma incerta elegância a tomava, quase absurda.

Aos cinquenta e oito anos, Zenóbia tinha olhos sólidos,
sob os óculos de lentes turvas.
No susto da idade aprendeu que ainda era cêdo e
quis experimentar tudo
Nos cabelos plúmbeos, nenhum sinal de pejo
Imune ao peso do mundo, ela parecia não ter culpa
ou medo.

Aos setenta e quatro anos, Zenóbia tinha ólhos estóicos
por detrás dos óculos de hastes curvas
Trazia o cabelo de nuvem rente à nuca. E apesar do luto,
não perdia o lume.
De tudo, mesmo das coisas soturnas, sabia extrair o sumo
Sua vida era o resumo de seu nome. Todos diziam que
não morreria nunca

Aos oitenta e nove anos, Zenóbia parece ter setenta e quatro.
Os olhos, sob as lentes sem aro, estão ilágrimes
Os cabelos, ralos, de um branco insone
Já não há dor ou noite para a sua alma, é claro. Na aura da idade,
já sabe quase tudo
E todos já pensam que ela é um milagre
Ou um sonho "

( MARIA ESTHER MACIEL )



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